Manoel de Oliveira e a História do Cinema Português
1. Dos pioneiros ao filme sonoro
O cinema chegou a Portugal relativamente cedo. Um ano após a apresentação em Paris do cinematógrafo dos irmãos Louis e Auguste Lumière foram projectadas em Portugal, mais concretamente no Porto, fitas de Aurélio da Paz dos Reis. O dia 12 de Novembro de 1896 e o nome de Paz dos Reis ficam gravados como a primeira experiência de cinema em Portugal e feita por portugueses, o filme intitulava-se a «Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança», rodado na Rua de Santa Catarina, no Porto.
Paz dos Reis, fotógrafo amador e comerciante na área da floricultura, filma ainda mais alguma fitas que exibe com êxito no Porto e em Braga. Fez ainda exibições no Brasil, que não terá corrido tão bem como em Portugal. Desiludido pelos resultados afasta-se.
O cinema não acaba com o afastamento de Paz dos Reis. Outros nomes como Manuel Maria da Costa Veiga filma em Lisboa e Cascais conquistando o interesse do público.
Em 1909, nasce a Portugália Film para a qual, em 1911, João Tavares realizou a primeira ficção autónoma do cinema nacional. No entanto os primeiros anos do cinema português caracterizam-se essencialmente por documentários.
Mais uma vez, no Porto, procura-se um rumo mais concreto, e a 22 de Novembro de 1917 nasce a Invicta Film, Lda., situada no Largo do Carvalhido. Vários factores levaram ao seu encerramento em 1931. Mas as ruínas dos estúdios ainda foram visíveis até 2007.
1930 marca um novo impulso para o cinema português com a estreia do filme de Leitão de Barros, «Maria do Mar». Começa assim a chamada geração de 30. Leitão de Barros foi sem duvida um dos mais importantes nomes desta geração, na qual se destacou também, com um aplaudido «Douro, Faina Fluvial» como filme de estreia, Manoel de Oliveira.
«Douro, Faina Fluvial» estreia no V Congresso Internacional da Critica, realizado em Lisboa, onde na presença dos mais prestigiados críticos europeus recebeu destes importantes elogios e prestigio além-fronteiras.
A participação cinematográfica de Oliveira tinha sido até então a figuração no filme de Rino Lupo. Era ainda conhecido, principalmente no Porto, pelos seus feitos desportivos, atléticos e automobilísticos.
De forma amadora e com a colaboração de António Mendes, o seu director de fotografia, filma durante dois anos a vida na zona ribeirinha da cidade do Porto. Estes dois anos foram resultado do amadorismo, pois António Mendes trabalhava (era guarda-livros na fábrica do pai de Oliveira) e apenas podiam filmar aos fins-de-semana e depois do expediente.
A falta de financiamento do filme, uma produção independente suportado por Manoel de Oliveira fez também aumentar o tempo de filmagens. Outra curiosidade que resulta deste auto-financiamento foi a forma como o filme foi montado. Para poupar dinheiro em fita, Oliveira monta o «Douro, Faina Fluvial» em negativo, fazendo apenas a positivação depois de montado.
Neste filme notam-se influências de Walter Ruthmann e do seu filme «Berlim, Sinfonia de Uma Capital». No entanto o ritmo de criado por Oliveira e os contrastes entre o moderno, o progresso, o antigo e a tradição são elementos surpreendentes e bem conseguidos no documentário.
«Douro, Faina Fluvial» volta a ser exibido em 1934, como complemento ao filme «Gado Bravo», desta vez já sonorizado, igualmente com partitura do maestro Luís de Freitas.
O primeiro filme de Oliveira estreia no mesmo ano que a «Severa», o primeiro filme sonoro rodado em Portugal com sonorização feita em França. Estávamos no ano da transição do mudo para o falado.
No entanto a obra de cineasta do Porto ainda se situava no primeiro período do cinema português. Não era no entanto uma simples continuidade com o tipo de trabalhos que se realizavam em Portugal até então.
Oliveira lança-se na realização com uma obra moderna, arrojada e que João Bénard da Costa considera o primeiro “clássico do cinema português”.
“Caminhado do mais abstrato para o mais concreto, com uma prodigiosa intuição da força atractiva da montagem e capacidade expressiva desta, Oliveira lançava o primeiro marco da sua comédia humana, porventura já marcada pelo efémero e pela frustração. Com Douro, o cinema português tinha o seu primeiro clássico, culminando quatro anos de surpreendentes experimentações”.
O tempo do cinema mudo português chega assim em grande esplendor à fase de transição para o sonoro.
1. Dos pioneiros ao filme sonoro
O cinema chegou a Portugal relativamente cedo. Um ano após a apresentação em Paris do cinematógrafo dos irmãos Louis e Auguste Lumière foram projectadas em Portugal, mais concretamente no Porto, fitas de Aurélio da Paz dos Reis. O dia 12 de Novembro de 1896 e o nome de Paz dos Reis ficam gravados como a primeira experiência de cinema em Portugal e feita por portugueses, o filme intitulava-se a «Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança», rodado na Rua de Santa Catarina, no Porto.
Paz dos Reis, fotógrafo amador e comerciante na área da floricultura, filma ainda mais alguma fitas que exibe com êxito no Porto e em Braga. Fez ainda exibições no Brasil, que não terá corrido tão bem como em Portugal. Desiludido pelos resultados afasta-se.
O cinema não acaba com o afastamento de Paz dos Reis. Outros nomes como Manuel Maria da Costa Veiga filma em Lisboa e Cascais conquistando o interesse do público.
Em 1909, nasce a Portugália Film para a qual, em 1911, João Tavares realizou a primeira ficção autónoma do cinema nacional. No entanto os primeiros anos do cinema português caracterizam-se essencialmente por documentários.
Mais uma vez, no Porto, procura-se um rumo mais concreto, e a 22 de Novembro de 1917 nasce a Invicta Film, Lda., situada no Largo do Carvalhido. Vários factores levaram ao seu encerramento em 1931. Mas as ruínas dos estúdios ainda foram visíveis até 2007.
1930 marca um novo impulso para o cinema português com a estreia do filme de Leitão de Barros, «Maria do Mar». Começa assim a chamada geração de 30. Leitão de Barros foi sem duvida um dos mais importantes nomes desta geração, na qual se destacou também, com um aplaudido «Douro, Faina Fluvial» como filme de estreia, Manoel de Oliveira.
«Douro, Faina Fluvial» estreia no V Congresso Internacional da Critica, realizado em Lisboa, onde na presença dos mais prestigiados críticos europeus recebeu destes importantes elogios e prestigio além-fronteiras.
A participação cinematográfica de Oliveira tinha sido até então a figuração no filme de Rino Lupo. Era ainda conhecido, principalmente no Porto, pelos seus feitos desportivos, atléticos e automobilísticos.
De forma amadora e com a colaboração de António Mendes, o seu director de fotografia, filma durante dois anos a vida na zona ribeirinha da cidade do Porto. Estes dois anos foram resultado do amadorismo, pois António Mendes trabalhava (era guarda-livros na fábrica do pai de Oliveira) e apenas podiam filmar aos fins-de-semana e depois do expediente.
A falta de financiamento do filme, uma produção independente suportado por Manoel de Oliveira fez também aumentar o tempo de filmagens. Outra curiosidade que resulta deste auto-financiamento foi a forma como o filme foi montado. Para poupar dinheiro em fita, Oliveira monta o «Douro, Faina Fluvial» em negativo, fazendo apenas a positivação depois de montado.
Neste filme notam-se influências de Walter Ruthmann e do seu filme «Berlim, Sinfonia de Uma Capital». No entanto o ritmo de criado por Oliveira e os contrastes entre o moderno, o progresso, o antigo e a tradição são elementos surpreendentes e bem conseguidos no documentário.
«Douro, Faina Fluvial» volta a ser exibido em 1934, como complemento ao filme «Gado Bravo», desta vez já sonorizado, igualmente com partitura do maestro Luís de Freitas.
O primeiro filme de Oliveira estreia no mesmo ano que a «Severa», o primeiro filme sonoro rodado em Portugal com sonorização feita em França. Estávamos no ano da transição do mudo para o falado.
No entanto a obra de cineasta do Porto ainda se situava no primeiro período do cinema português. Não era no entanto uma simples continuidade com o tipo de trabalhos que se realizavam em Portugal até então.
Oliveira lança-se na realização com uma obra moderna, arrojada e que João Bénard da Costa considera o primeiro “clássico do cinema português”.
“Caminhado do mais abstrato para o mais concreto, com uma prodigiosa intuição da força atractiva da montagem e capacidade expressiva desta, Oliveira lançava o primeiro marco da sua comédia humana, porventura já marcada pelo efémero e pela frustração. Com Douro, o cinema português tinha o seu primeiro clássico, culminando quatro anos de surpreendentes experimentações”.
O tempo do cinema mudo português chega assim em grande esplendor à fase de transição para o sonoro.
2. Um cinema de atores
Já falamos da «Severa», de Leitão de Barros, estreada em 1931. Uma adaptação do clássico de Júlio Dantas, que foi o retomar dum projecto antigo de Barros e que com o apoio da Sociedade Universal de Superfilmes, sendo o primeiro filme sonoro português, embora com a edição sonora e filmagens de interiores feitas em Épinay-Sur-Seine, Paris.
A primeira grande aventura no cinema sonoro de “um filme português, feito por portugueses e para portugueses” foi «A Canção de Lisboa», de Cottinelli Telmo.
Estreado em 1933 este filme reuniu em torno de si grande dedicação dos principais intelectuais da época incluindo Almada Negreiros. O resultado foi um filme bem arquitectado de forma que marcou o melhor do cinema português da década de 30 e 40 e que ainda para muito é o “melhor filme português de sempre”, quem o diz é João Bénard da Costa:
”«A Canção de Lisboa» é, em minha opinião, uma das melhores comédias europeias dos anos 30 e, sem dúvida, um dos melhores filmes portugueses de sempre. Além de ser a matriz de onde arrancou toda a comédia nacional, não havendo uma só, depois dela, que dela não dependa”.
«A Canção de Lisboa» aborda com graça, subtileza e muito engenho elementos da tradição portuguesa, da revista, do cinema burlesco e de uma Lisboa de bairros. A história do estudante cábula e da costureirinha de bairro diverte e entusiasma o público de tal maneira que passados 73 anos a trama e humor ainda resultam.
Muito do sucesso deste filme se deve a interpretações magníficas de Vasco Santana (Vasco), de António Silva (Alfaiate) e de Beatriz Costa (Alice). Estes eram já actores conhecidos do público pelos seus desempenhos na Revista à Portuguesa.
Pese embora a qualidade do filme muito do seu sucesso é conseguido pelo carisma das personagens e dos actores. E não foi «A Canção de Lisboa» caso único deste fenómeno que dá nome à segunda época do cinema português.
Dentro deste contexto de um cinema de actores Manoel de Oliveira, um galã fora do ecrã, aparece em «A Canção de Lisboa» como Carlos, o amigo de Vasco (Santana) e o namorado de Ana Maria. Manoel de Oliveira (Carlos) aparece apenas 27 minutos em cena nos 91 totais do filme.
Depois d’«A Canção de Lisboa» foram muitas as comédias que surgiram usando a mesma matriz. Continuaram as adaptações de grandes obras da literatura portuguesa. O gosto pelo retrato da cultura e da tradição portuguesa, ora entre a aldeia ora entre a cidade, é uma marca do cinema nesta época.
Depois da sua estreia como realizador em 1931, Manoel de Oliveira até 1942 realizara mais cinco documentários em curta-metragem e alguns projectos dos quais teve de desistir por falta de financiamento. A grande oportunidade de Oliveira confirmar o seu valor como cineasta depois do aplaudido «Douro, Faina Fluvial» foi-lhe dada dez anos depois por António Lopes Ribeiro.
Já falamos da «Severa», de Leitão de Barros, estreada em 1931. Uma adaptação do clássico de Júlio Dantas, que foi o retomar dum projecto antigo de Barros e que com o apoio da Sociedade Universal de Superfilmes, sendo o primeiro filme sonoro português, embora com a edição sonora e filmagens de interiores feitas em Épinay-Sur-Seine, Paris.
A primeira grande aventura no cinema sonoro de “um filme português, feito por portugueses e para portugueses” foi «A Canção de Lisboa», de Cottinelli Telmo.
Estreado em 1933 este filme reuniu em torno de si grande dedicação dos principais intelectuais da época incluindo Almada Negreiros. O resultado foi um filme bem arquitectado de forma que marcou o melhor do cinema português da década de 30 e 40 e que ainda para muito é o “melhor filme português de sempre”, quem o diz é João Bénard da Costa:
”«A Canção de Lisboa» é, em minha opinião, uma das melhores comédias europeias dos anos 30 e, sem dúvida, um dos melhores filmes portugueses de sempre. Além de ser a matriz de onde arrancou toda a comédia nacional, não havendo uma só, depois dela, que dela não dependa”.
«A Canção de Lisboa» aborda com graça, subtileza e muito engenho elementos da tradição portuguesa, da revista, do cinema burlesco e de uma Lisboa de bairros. A história do estudante cábula e da costureirinha de bairro diverte e entusiasma o público de tal maneira que passados 73 anos a trama e humor ainda resultam.
Muito do sucesso deste filme se deve a interpretações magníficas de Vasco Santana (Vasco), de António Silva (Alfaiate) e de Beatriz Costa (Alice). Estes eram já actores conhecidos do público pelos seus desempenhos na Revista à Portuguesa.
Pese embora a qualidade do filme muito do seu sucesso é conseguido pelo carisma das personagens e dos actores. E não foi «A Canção de Lisboa» caso único deste fenómeno que dá nome à segunda época do cinema português.
Dentro deste contexto de um cinema de actores Manoel de Oliveira, um galã fora do ecrã, aparece em «A Canção de Lisboa» como Carlos, o amigo de Vasco (Santana) e o namorado de Ana Maria. Manoel de Oliveira (Carlos) aparece apenas 27 minutos em cena nos 91 totais do filme.
Depois d’«A Canção de Lisboa» foram muitas as comédias que surgiram usando a mesma matriz. Continuaram as adaptações de grandes obras da literatura portuguesa. O gosto pelo retrato da cultura e da tradição portuguesa, ora entre a aldeia ora entre a cidade, é uma marca do cinema nesta época.
Depois da sua estreia como realizador em 1931, Manoel de Oliveira até 1942 realizara mais cinco documentários em curta-metragem e alguns projectos dos quais teve de desistir por falta de financiamento. A grande oportunidade de Oliveira confirmar o seu valor como cineasta depois do aplaudido «Douro, Faina Fluvial» foi-lhe dada dez anos depois por António Lopes Ribeiro.
Aniki-bébé, Aniki-bóbó,
Passarinho, Tótó,
Berimbau, Cavaquinho,
Salomão, Sacristão,
Tu és Polícia, tu és Ladrão.
Passarinho, Tótó,
Berimbau, Cavaquinho,
Salomão, Sacristão,
Tu és Polícia, tu és Ladrão.
3. Tu és Polícia, Tu és Ladrão
Estreado a 18 de Dezembro de 1942, no cinema Éden, em Lisboa, «Aniki-Bóbó» era a primeira longa-metragem ficcional de Oliveira e que viria espantar tudo e todos numa confirmação clara da qualidade de Manoel de Oliveira.
«Aniki-Bóbó» estreou no cinema Éden, em Lisboa, a 18 de Dezembro de 1942, não tendo acolhido a simpatia do público, que não entendeu a mensagem, assim como parte dos críticos portugueses, que se insurgiram mais pela originalidade e a não vulgaridade do filme. “Um conto para adultos interpretado por crianças” é uma boa definição da película que resulta da adaptação da obra do Dr. João Rodrigues de Freitas, “Meninos Milionários”.
Foi adaptado ao cinema pelo próprio Manoel de Oliveira, que escreveu os diálogos (em parceria com o actor Nascimento Fernandes e o produtor António Lopes Ribeiro) e se inspirou na sua vivência de menino passada no Porto. A fotografia, a preto e branco, esteve a cargo do fotógrafo amador António Mendes, que já acompanhara Manoel de Oliveira nos anos 30, nos documentários cinematográficos como «Douro, Faina Fluvial».
O título escolhido «Aniki-Bóbó», insólito e enigmático, é inspirado na lengalenga das crianças quando brincavam aos polícias e ladrões pelas ruas da Ribeira. Fórmula mágica que permitia escolher quem era quem, nas suas brincadeiras.
«Aniki-Bóbó» desenrola-se no mesmo cenário de «Douro, Faina Fluvial», a zona ribeirinha do Porto e de Gaia, por onde deambulam livremente, bandos de crianças pobres, em aventuras e brincadeiras. Meninos de rua que na calma da noite também sonham e conversam sobre as suas inquietações, o escuro, Deus, o Diabo, os fantasmas e as estrelas.
Manoel de Oliveira, por altura da passagem do seu 90º aniversário numa entrevista com João Bénard da Costa, disse:
"…Quais as intenções em «Aniki-Bóbó»? Certamente que as havia e bastante ambiciosas. Procurando contar uma história tão simples, queria reflectir nas crianças os problemas dos adultos, aqueles que estão ainda em estado embrionário; pôr em contraposição a noção do bem o do mal, do ódio e do amor, da amizade e da ingratidão. Queria sugerir o medo da noite e do desconhecido, a atracção pela vida que pulsa em cada coisa à nossa volta, com força e com convicção".
Rodado em plena 2ª Grande Guerra é uma mensagem de paz, de reconciliação «feita através do dono da "loja das tentações". E a este propósito Oliveira diz “não esqueçamos que «Aniki-Bóbó», embora inspirado no conto Meninos Milionários, do Dr. Rodrigues de Freitas foi imaginado e realizado durante a Guerra, em 1941-1942”.
O enredo, simples, real, desenvolve-se em torno da história da rivalidade de dois dos rapazes que gostam da mesma miúda, a Teresinha, a única menina do grupo. Os rivais são: o chefe do grupo Eduardinho, moço audaz, atrevido e brigão, e Carlitos, um rapazinho, tímido, sossegado, bom e sensível.
A rivalidade vai-se acentuando e, um dia, para agradar à sua (namorada), Carlitos rouba, uma boneca. Teresinha sente-se inclinada para ele até que um dia, numa inocente brincadeira, Eduardo escorrega por um talude e cai ao lado de um comboio que passa. Todos pensam que Carlitos o empurrou e todos passam a afastar-se dele, enquanto Eduardo sofre numa cama de hospital.
Carlitos pensa fugir num barco ancorado no cais de Massarelos, mas tudo se esclarece por intervenção do dono da "Loja das Tentações" que vira o acidente e que, no final tira todas as suspeitas de cima de Carlitos. E os garotos poderão de novo jogar aos polícias e ladrões, ao jogo do Aniki-Bobó.
A singularidade desta obra resulta de vários factores. Primeiro vai contra a corrente do “cinema de actores”, embora com nomes fortes do teatro como o algarvio Nascimento Fernandes, com um brilhante desempenho como dono da Loja das Tentações, e Vital dos Santos, o professor. As personagens principais eram crianças, até então desconhecidas.
O segundo ponto que confere força ao filme é o realismo com que foi filmado. As interpretações das crianças são surpreendentemente convincentes, credíveis e reais, as situações tão reais e os planos em que são captadas são singulares na altura (1942). Tal facto vale a Oliveira e a «Aniki-Bóbó» o título de precursor do neo-realismo italiano.
Curiosamente, quando estreou em Espanha, «Aniki-Bóbó» teve muito boa aceitação por parte do público espanhol e recebeu rasgados elogios da crítica.
Das crianças principais, ainda vivem Fernanda Matos (a Teresinha) e Horácio Silva (Carlitos), mas António Santos (Eduardinho) e António Morais Soares (Pistarim), já não. Curiosamente, um dos actores nem sequer chegou a ver o filme nos ecrãs, Armando Pedro, que fazia de caixeiro na Loja das Tentações, morreu vítima de congestão alimentar pouco depois da conclusão do filme.
Com esta longa-metragem Manoel de Oliveira confirma o seu valor como cineasta de excepção, mostrando uma incondicional entrega ao cinema enquanto arte. Fugiu dos cânones comercias que se praticavam na altura e criou uma obra impar com marcantes elementos de modernidade.
Estreado a 18 de Dezembro de 1942, no cinema Éden, em Lisboa, «Aniki-Bóbó» era a primeira longa-metragem ficcional de Oliveira e que viria espantar tudo e todos numa confirmação clara da qualidade de Manoel de Oliveira.
«Aniki-Bóbó» estreou no cinema Éden, em Lisboa, a 18 de Dezembro de 1942, não tendo acolhido a simpatia do público, que não entendeu a mensagem, assim como parte dos críticos portugueses, que se insurgiram mais pela originalidade e a não vulgaridade do filme. “Um conto para adultos interpretado por crianças” é uma boa definição da película que resulta da adaptação da obra do Dr. João Rodrigues de Freitas, “Meninos Milionários”.
Foi adaptado ao cinema pelo próprio Manoel de Oliveira, que escreveu os diálogos (em parceria com o actor Nascimento Fernandes e o produtor António Lopes Ribeiro) e se inspirou na sua vivência de menino passada no Porto. A fotografia, a preto e branco, esteve a cargo do fotógrafo amador António Mendes, que já acompanhara Manoel de Oliveira nos anos 30, nos documentários cinematográficos como «Douro, Faina Fluvial».
O título escolhido «Aniki-Bóbó», insólito e enigmático, é inspirado na lengalenga das crianças quando brincavam aos polícias e ladrões pelas ruas da Ribeira. Fórmula mágica que permitia escolher quem era quem, nas suas brincadeiras.
«Aniki-Bóbó» desenrola-se no mesmo cenário de «Douro, Faina Fluvial», a zona ribeirinha do Porto e de Gaia, por onde deambulam livremente, bandos de crianças pobres, em aventuras e brincadeiras. Meninos de rua que na calma da noite também sonham e conversam sobre as suas inquietações, o escuro, Deus, o Diabo, os fantasmas e as estrelas.
Manoel de Oliveira, por altura da passagem do seu 90º aniversário numa entrevista com João Bénard da Costa, disse:
"…Quais as intenções em «Aniki-Bóbó»? Certamente que as havia e bastante ambiciosas. Procurando contar uma história tão simples, queria reflectir nas crianças os problemas dos adultos, aqueles que estão ainda em estado embrionário; pôr em contraposição a noção do bem o do mal, do ódio e do amor, da amizade e da ingratidão. Queria sugerir o medo da noite e do desconhecido, a atracção pela vida que pulsa em cada coisa à nossa volta, com força e com convicção".
Rodado em plena 2ª Grande Guerra é uma mensagem de paz, de reconciliação «feita através do dono da "loja das tentações". E a este propósito Oliveira diz “não esqueçamos que «Aniki-Bóbó», embora inspirado no conto Meninos Milionários, do Dr. Rodrigues de Freitas foi imaginado e realizado durante a Guerra, em 1941-1942”.
O enredo, simples, real, desenvolve-se em torno da história da rivalidade de dois dos rapazes que gostam da mesma miúda, a Teresinha, a única menina do grupo. Os rivais são: o chefe do grupo Eduardinho, moço audaz, atrevido e brigão, e Carlitos, um rapazinho, tímido, sossegado, bom e sensível.
A rivalidade vai-se acentuando e, um dia, para agradar à sua (namorada), Carlitos rouba, uma boneca. Teresinha sente-se inclinada para ele até que um dia, numa inocente brincadeira, Eduardo escorrega por um talude e cai ao lado de um comboio que passa. Todos pensam que Carlitos o empurrou e todos passam a afastar-se dele, enquanto Eduardo sofre numa cama de hospital.
Carlitos pensa fugir num barco ancorado no cais de Massarelos, mas tudo se esclarece por intervenção do dono da "Loja das Tentações" que vira o acidente e que, no final tira todas as suspeitas de cima de Carlitos. E os garotos poderão de novo jogar aos polícias e ladrões, ao jogo do Aniki-Bobó.
A singularidade desta obra resulta de vários factores. Primeiro vai contra a corrente do “cinema de actores”, embora com nomes fortes do teatro como o algarvio Nascimento Fernandes, com um brilhante desempenho como dono da Loja das Tentações, e Vital dos Santos, o professor. As personagens principais eram crianças, até então desconhecidas.
O segundo ponto que confere força ao filme é o realismo com que foi filmado. As interpretações das crianças são surpreendentemente convincentes, credíveis e reais, as situações tão reais e os planos em que são captadas são singulares na altura (1942). Tal facto vale a Oliveira e a «Aniki-Bóbó» o título de precursor do neo-realismo italiano.
Curiosamente, quando estreou em Espanha, «Aniki-Bóbó» teve muito boa aceitação por parte do público espanhol e recebeu rasgados elogios da crítica.
Das crianças principais, ainda vivem Fernanda Matos (a Teresinha) e Horácio Silva (Carlitos), mas António Santos (Eduardinho) e António Morais Soares (Pistarim), já não. Curiosamente, um dos actores nem sequer chegou a ver o filme nos ecrãs, Armando Pedro, que fazia de caixeiro na Loja das Tentações, morreu vítima de congestão alimentar pouco depois da conclusão do filme.
Com esta longa-metragem Manoel de Oliveira confirma o seu valor como cineasta de excepção, mostrando uma incondicional entrega ao cinema enquanto arte. Fugiu dos cânones comercias que se praticavam na altura e criou uma obra impar com marcantes elementos de modernidade.
Para Oliveira, “o cinema é e
sempre será Arte de Vida, pois nenhuma arte simula a vida como o cinema.
Todavia, não é uma vida. Também não é propriamente uma arte. Porque é uma
acumulação, uma síntese de todas as artes. O cinema não existia sem a pintura,
sem a literatura, sem a dança, sem a música, sem o som, sem a imagem, tudo isto
é um conjunto de todas as artes, de todas sem exceção”.
A especificidade de Manoel de Oliveira é que o cinema e os seus filmes são pensados. Oliveira não se limita a pegar na câmara e filmar. Tem intenção nos planos, na encenação e na palavra.
Oliveira usou pela primeira vez planos demasiado longos na curta-metragem «O Pintor e a Cidade».
Actualmente acusam-no de planos demasiado longos e de filmes muito falados. A isto ele responde: “Às vezes acusam-me de que os meus filmes são muito falados. Ora, falados são os filmes americanos, e falam sem dizer nada. Ao menos os meus filmes dizem alguma coisa porque eu escolho textos ricos, bons, profundos, mais difíceis naturalmente”.
O principal valor que Oliveira procura está no espaço, no movimento das personagens, na imagem e na teatralidade da cena com força na palavra. Os planos e contra planos em estudo de cortes e de montagem são substituídos pela organização no espaço cénico como se de uma peça de teatro se trata-se com muito jogos de luz criando diferentes espaços dentro do espaço visual.
Manoel de Oliveira, ou o “mestre” como também é conhecido, tem 104 anos, é o cineasta mais velho no activo o aquele que mais tem realizado nos últimos anos. Tem uma vida preenchida. Seria muito complicado conseguir falar da vida e da obra de Oliveira em tão pouco tempo e em tão poucas páginas. Oliveira é uma figura transversal a toda a história do cinema português. Tem o seu estilo e o seu caminho bem traçado e delineado., e uma visão muito própria do que deve ser o cinema, como uma forma de fixação audiovisual do teatro.
Depois de «Singularidades de Uma Rapariga Loira» (2008) e «O Estranho Caso de Angélica» (2010I), dirigiu «O Gebo e a Sombra» (2012), e, embora sinta dificuldades em conseguir orçamento para continuar a filmar, Manoel de Oliveira tem outro argumento na forja. No próximo dia 11 de dezembro festeja o seu 105º aniversário.
A especificidade de Manoel de Oliveira é que o cinema e os seus filmes são pensados. Oliveira não se limita a pegar na câmara e filmar. Tem intenção nos planos, na encenação e na palavra.
Oliveira usou pela primeira vez planos demasiado longos na curta-metragem «O Pintor e a Cidade».
Actualmente acusam-no de planos demasiado longos e de filmes muito falados. A isto ele responde: “Às vezes acusam-me de que os meus filmes são muito falados. Ora, falados são os filmes americanos, e falam sem dizer nada. Ao menos os meus filmes dizem alguma coisa porque eu escolho textos ricos, bons, profundos, mais difíceis naturalmente”.
O principal valor que Oliveira procura está no espaço, no movimento das personagens, na imagem e na teatralidade da cena com força na palavra. Os planos e contra planos em estudo de cortes e de montagem são substituídos pela organização no espaço cénico como se de uma peça de teatro se trata-se com muito jogos de luz criando diferentes espaços dentro do espaço visual.
Manoel de Oliveira, ou o “mestre” como também é conhecido, tem 104 anos, é o cineasta mais velho no activo o aquele que mais tem realizado nos últimos anos. Tem uma vida preenchida. Seria muito complicado conseguir falar da vida e da obra de Oliveira em tão pouco tempo e em tão poucas páginas. Oliveira é uma figura transversal a toda a história do cinema português. Tem o seu estilo e o seu caminho bem traçado e delineado., e uma visão muito própria do que deve ser o cinema, como uma forma de fixação audiovisual do teatro.
Depois de «Singularidades de Uma Rapariga Loira» (2008) e «O Estranho Caso de Angélica» (2010I), dirigiu «O Gebo e a Sombra» (2012), e, embora sinta dificuldades em conseguir orçamento para continuar a filmar, Manoel de Oliveira tem outro argumento na forja. No próximo dia 11 de dezembro festeja o seu 105º aniversário.
Filmografia
2012 Centro Histórico (segmento "O Conquistador Conquistado")
2012 Mundo Invisível (segmento "Do Visível ao Invisível")
2012 O Gebo e a Sombra
2010 Painéis de São Vicente de Fora - Visão Poética (curta-metragem)
2010 O Estranho Caso de Angélica
2009 Singularidades de uma Rapariga Loura
2008 Romance de Vila do Conde (curta-metragem)
2008 O Vitral e a Santa Morta (curta-metragem)
2007 Cristóvão Colombo - O Enigma
2007 Cada Um o Seu Cinema (segmento "Rencontre Unique")
2007 Rencontre unique (curta-metragem)
2006 Belle Toujours
2006 O Improvável Não é Impossível (curta-metragem)
2005 Do Visível ao Invisível (curta-metragem)
2005 Espelho Mágico
2004 O Quinto Império - Ontem Como Hoje
2003 Um Filme Falado
2002 Momento (curta-metragem)
2002 O Princípio da Incerteza
2001 Porto da Minha Infância
2001 Vou Para Casa
2000 Palavra e Utopia
1999 A Carta
1998 Inquietude
1997 Viagem ao Princípio do Mundo
1996 Party
1995 O Convento
1994 A Caixa
1993 Vale Abraão
1992 O Dia do Desespero
1991 A Divina Comédia
1990 'Non', ou A Vã Glória de Mandar
1988 A Propósito da Bandeira Nacional (documentário curta-metragem)
1988 Os Canibais
1986 O Meu Caso
2012 Centro Histórico (segmento "O Conquistador Conquistado")
2012 Mundo Invisível (segmento "Do Visível ao Invisível")
2012 O Gebo e a Sombra
2010 Painéis de São Vicente de Fora - Visão Poética (curta-metragem)
2010 O Estranho Caso de Angélica
2009 Singularidades de uma Rapariga Loura
2008 Romance de Vila do Conde (curta-metragem)
2008 O Vitral e a Santa Morta (curta-metragem)
2007 Cristóvão Colombo - O Enigma
2007 Cada Um o Seu Cinema (segmento "Rencontre Unique")
2007 Rencontre unique (curta-metragem)
2006 Belle Toujours
2006 O Improvável Não é Impossível (curta-metragem)
2005 Do Visível ao Invisível (curta-metragem)
2005 Espelho Mágico
2004 O Quinto Império - Ontem Como Hoje
2003 Um Filme Falado
2002 Momento (curta-metragem)
2002 O Princípio da Incerteza
2001 Porto da Minha Infância
2001 Vou Para Casa
2000 Palavra e Utopia
1999 A Carta
1998 Inquietude
1997 Viagem ao Princípio do Mundo
1996 Party
1995 O Convento
1994 A Caixa
1993 Vale Abraão
1992 O Dia do Desespero
1991 A Divina Comédia
1990 'Non', ou A Vã Glória de Mandar
1988 A Propósito da Bandeira Nacional (documentário curta-metragem)
1988 Os Canibais
1986 O Meu Caso
1986 Simpósio
Internacional de Escultura em Pedra (documentário)
1985 O Sapato de Cetim
1983 Nice - À propos de Jean Vigo (documentário)
1983 Capitali culturali d'Europa (série de televisão) (episódio: Lisboa Cultural)
1982 Visita ou Memórias e Confissões
1981 Francisca
1979 Amor de Perdição (minissérie de televisão)
1975 Benilde ou a Virgem Mãe
1972 O Passado e o Presente (assinou Manuel de Oliveira)
1965 As Pinturas do Meu Irmão Júlio (documentário curta-metragem)
1964 Villa Verdinho - Uma Aldeia Transmontana (documentário curta-metragem)
1964 A Caça (curta-metragem) (assinou Manuel de Oliveira)
1963 Acto da Primavera
1959 O Pão (documentário)
1958 O Coração (documentário curta-metragem)
1957 A Visita a Portugal da Rainha Isabel II da Grã-Bretanha (documentário)
1956 O Pintor e a Cidade (Documentário curta-metragem)
1942 Aniki Bóbó (assinou Manuel de Oliveira)
1941 Famalicão (documentário curta-metragem)
1938 Miramar, Praia das Rosas (documentário curta-metragem)
1938 Já Se Fabricam Automóveis em Portugal (documentário curta-metragem)
1937 Os Últimos Temporais: Cheias do Tejo (documentário curta-metragem)
1932 Estátuas de Lisboa (documentário curta-metragem)
1932 Hulha Branca (documentário curta-metragem)
1931 Douro, Faina Fluvial (documentário curta-metragem)
1985 O Sapato de Cetim
1983 Nice - À propos de Jean Vigo (documentário)
1983 Capitali culturali d'Europa (série de televisão) (episódio: Lisboa Cultural)
1982 Visita ou Memórias e Confissões
1981 Francisca
1979 Amor de Perdição (minissérie de televisão)
1975 Benilde ou a Virgem Mãe
1972 O Passado e o Presente (assinou Manuel de Oliveira)
1965 As Pinturas do Meu Irmão Júlio (documentário curta-metragem)
1964 Villa Verdinho - Uma Aldeia Transmontana (documentário curta-metragem)
1964 A Caça (curta-metragem) (assinou Manuel de Oliveira)
1963 Acto da Primavera
1959 O Pão (documentário)
1958 O Coração (documentário curta-metragem)
1957 A Visita a Portugal da Rainha Isabel II da Grã-Bretanha (documentário)
1956 O Pintor e a Cidade (Documentário curta-metragem)
1942 Aniki Bóbó (assinou Manuel de Oliveira)
1941 Famalicão (documentário curta-metragem)
1938 Miramar, Praia das Rosas (documentário curta-metragem)
1938 Já Se Fabricam Automóveis em Portugal (documentário curta-metragem)
1937 Os Últimos Temporais: Cheias do Tejo (documentário curta-metragem)
1932 Estátuas de Lisboa (documentário curta-metragem)
1932 Hulha Branca (documentário curta-metragem)
1931 Douro, Faina Fluvial (documentário curta-metragem)